"Ubi ergo Petrus, ibi ecclesia; ubi ecclesia, ibi nulla mors, sed vita eterna".
“Onde está Pedro, aí está a Igreja; onde está a Igreja aí não há morte, mas a vida eterna”.
Santo Ambrósio, Enarrationes in XII Psalmos davidicos; PL 14, 1082

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A QUESTÃO DA LIBERDADE RELIGIOSA

VATICANO - AS PALAVRAS DA DOUTRINA, do pe. Nicola Bux e pe. Salvatore Vitiello
Cidade do Vaticano (Agência Fides)

Liberdade religiosa.

Damos início hoje a esta nova seção semanal intitulada «As palavras da doutrina» e parece-nos útil e apropriado iniciar com um tema que, com muita vivacidade, é debatido nos dias de hoje, inclusive pelas particulares circunstâncias histórico-culturais e internacionais que somos chamados a viver.

A liberdade religiosa imerge historicamente as próprias raízes em um passado remoto, onde esta se identifica como reivindicação dos fiéis do direito de professar a própria fé em relação à autoridade constituída e ao clima cultural dominante.As civilizações da antiguidade não conheciam a exigência de uma distinção entre a esfera civil e aquela religiosa. O soberano, nessas civilizações, coincidia com a divindade, vindo a constituir o ponto de convergência do sagrado e do profano, do civil e do religioso. Tal concepção filosófico-religiosa permeou também a juridicamente evoluída civilização romana, na qual a reivindicação imperial da divindade representou uma verdadeira obrigação legal-moral para o povo, que revelava a lealdade ao estado.Entre as culturas antigas, é a hebraica a introduzir uma primeira distinção entre a obediência a um poder constituído, que reivindica prerrogativas divinas, e a obediência à própria consciência e a quanto por essa requerida. A verdadeira novidade no panorama histórico, filosófico e jurídico da antiguidade é constituída pelo cristianismo, que reivindica a liberdade de não queimar o incenso ao imperador e de professar a fé em Jesus Cristo.Tertulliano escreveu, com singular incisividade: «Façam atenção que não seja um crime de sacrilégio tirar dos homens a liberdade de religião e proibir-lhes a escolha das próprias divindades. Ou seja, o não permitir de honrar quem se quer honrar» (Apologeticum, XXIV, 6).O princípio de distinção entre esfera civil e esfera religiosa foi introduzido na história da humanidade pelas palavras de Jesus Cristo: «Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21).O testemunho do martírio dos cristãos nos primeiros três séculos da nossa era é uma das mais significativas páginas da história da liberdade religiosa, que deve sempre ser defendida e reivindicada a qualquer preço. Uma história na qual liberdade religiosa e liberdade de consciência, mesmo distintas filosoficamente, se entrelaçam historicamente, mostrando como os dois conceitos sejam absolutamente inseparáveis, ou melhor, se relacionam em uma clara circularidade de recíproca justificação.A liberdade religiosa se apresenta assim como um elemento constitutivo da pessoa humana, seu direito nativo e natural, indisponível a qualquer impedimento externo, seja de caráter estatal e público, seja de tipo relacional-interpessoal. O único «condicionamento» tolerado pela liberdade religiosa é o da obediência e da coerência com a própria consciência, em harmonia com o reto uso da razão, que busca a verdade e vive segundo a verdade encontrada e no respeito da ordem pública. De tal «ordem» são parte integrante o respeito pelo outro e o conhecido princípio de reciprocidade.A positivização jurídica da liberdade religiosa vê, na idade contemporânea, um florescer de declarações, documentos internacionais e constituições estatais, na qual é quase que definitivamente afirmada como direito inalienável. As ideologias do século XX, o renascimento dos integralismos religiosos e uma certa difundida mentalidade ideologicamente próxima de posições laicistas, incapazes de autêntico diálogo, constituem o pano de fundo no qual, inclusive no coração da chamada «pós-modernidade», é possível fazer experiência de graves violações da liberdade religiosa, mostrando como esta representa sempre um princípio a ser defendido com indômita vigilância.A plena recuperação do tema por parte da declaração Dignitatis humanae do Concílio Vaticano II (AAS 58-1966, 929-946), que funda o direito à liberdade religiosa sobre a dignidade da pessoa humana e requer pleno reconhecimento às ordenações jurídicas das sociedades, seja para os indivíduos, seja para as comunidades, representa uma imprescindível contribuição à compreensão da natureza da própria liberdade religiosa. O texto conciliar deve ser, todavia, compreendido à luz de uma precisa circunstância histórica (a condição dos cristãos perseguidos nos regimes totalitários do século XX) e de uma imprescindível condição teológica: a exclusão de qualquer forma de pluralismo teocêntrico que tende a colocar todas as religiões no mesmo plano da verdade. Se os homens que as professam têm os mesmos direitos e dignidade, a questão da verdade não é, em nenhum caso, arbitrária. Com o início do pontificado de Bento XVI, felizmente nos encontramos no «diálogo da verdade». Este se funda necessariamente no reconhecimento compartilhado - contra qualquer pretensão relativista - que a Verdade foi revelada e se tornou compreensível aos fiéis. (Agência Fides 23/2/2006)