"Ubi ergo Petrus, ibi ecclesia; ubi ecclesia, ibi nulla mors, sed vita eterna".
“Onde está Pedro, aí está a Igreja; onde está a Igreja aí não há morte, mas a vida eterna”.
Santo Ambrósio, Enarrationes in XII Psalmos davidicos; PL 14, 1082

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

AULA MAGISTRAL PARA AQUELES QUE SE OPÕEM AO MOTU PROPRIO E/OU PENSAM EXISTIR UM SÓ RITO NA IGREJA DEMONSTRANDO UNS E OUTROS SABER POUCO DE LITURGIA

PALAVRAS DA DOUTRINA, por Pe. Nicola Bux e Pe. Salvatore Vitiello – O mistério da Encarnação e do Natal nos ritos romano e bizantino.

Alguns liturgitas ficaram conturbados com a afirmação do papa, contida no Motu proprio “Summorum Pontificum”, de que existe um só rito romano em duas formas, a ordinária e a extraordinária: a consideram uma interpretação histórica “nova”, isto provavelmente porque se identificou o rito romano com o rito latino.
Mas, a história da liturgia ensina que “sempre existiram muitas formas do rito latino. De fato, até o Vaticano II, do lado do rito romano existia o rito mozárabe, o bracarense, o de Chartreux, o rito dos cartuchos e aquele dominicano. Ninguém nunca se escandalizou com o fato de que os dominicanos que estavam nas nossas paróquias, não celebrassem como os padres seculares, mas seguissem um rito próprio. Nunca tivemos nenhuma dúvida de que esse fosse um rito católico da mesma maneira do rito romano e estávamos orgulhosos da riqueza de tantas diversas tradições” (Joseph Ratzinger, “No décimo aniversário do Motu proprio Ecclesia Dei”, Roma, 24 ottobre 1998).
Analogamente, quando se fala de rito oriental, na realidade se simplificam as coisas, porque não só existem vários ritos orientais, mas existem variantes até mesmo no interior de um mesmo rito. Por exemplo, o rito bizantino existe na forma grega e naquela eslava, e isto não é só um fato lingüístico; e ainda neste mesmo rito bizantino coabita a ‘liturgia de São João Crisóstomo’, que é a forma clássica e ordinária, a de ‘São Basílio’, que é a forma extraordinário, e aquela dos Pré-santificados, que é a excepcional. No seu desenvolvimento histórico, o rito ‘crisostominiano’ não aboliu o ‘basiliano’, mas, de um certo modo, foi colocado do seu lado e o enriqueceu. Como é possível então – também a propósito do rito romano – a afirmação de alguns liturgistas segundo a qual: “Nunca aconteceu que um mesmo rito fosse celebrado em duas formas diversas”?
O fato é que o rito romano dito ‘di São Pio V’ continuou a existir, paralelamente àquele ‘do servo de Deus, Paulo VI’. Agora voltaram a ficar um do lado do outro. Em realidade o rito romano antigo deveria ser chamado ‘liturgia de Gregório Magno’. Estes são os fatos, o resto é ideologia.
O raciocínio depois disto, nos leva a considerar que a unidade na diversidade – tão invocada pelos reformadores litúrgicos – se deduz observando as semelhanças entre os diversos ritos latino, bizantino, siríaco etc., seja no interior de uma mesma família litúrgica ou área, seja no exterior, por exemplo, entre o romano e o bizantino.
Mas antes da reforma pós-conciliar tais semelhanças eram bem maiores, claro indício de origem comum.
Portanto, parece ao menos paradoxal que os que apóiam até as últimas conseqüências as novidades litúrgicas, convictos atuadores da inculturação da liturgia hodierna, sejam hostis a pluraidade das formas que vem da história. A inculturação da liturgia é conseqüência daquela do Evangelho e ambas são ligadas a Encarnação do Verbo: “É, de fato, o Espírito que, depois de ter operado a Encarnação de Jesus Cristo no seio virginal de Maria, vivifica a ação materna da Igreja na evangelização das culturas. Se bem que o Evangelho seja independente de todas as culturas, este é capaz de impregná-las todas, sem no entanto deixar-se submeter por elas” (“Nota doutrinal sobre alguns aspectos da evangelização”, Cidade do Vaticano, 2007, n. 6).
Na liturgia, cada vez que se celebra a Santa Missa, se revive todo o Mistério de Cristo: da Encarnação a Pentecostes, não só a morte e a Ressurreição. A liturgia romana, especialmente no Natal, exprime a sua natureza de “intercambio”: o Senhor desce ao nosso meio, se faz presente, para fazer-nos subir com ele na oferta de si mesmo ao Pai. O intercambio de dons, o “admirabile commercium” de Leão Magno, ecoa mais uma vez no Prefácio do Natal: “Para que conhecendo Deus visivelmente, sejamos tomados pelo amor às coisas invisíveis”. Assim quando se diz que Cristo é presente na Palavra, é necessário pensar no seu ingresso no mundo com a Encarnação: “eis que venho para fazer a tua vontade”; o Evangeliário acompanhado pelas velas e pelo incenso, representa o Verbo que se fez carne e habitou entre nós. A primeira parte da Missa faz memória da Encarnação e do Natal. Mas também na fórmula “Deus qui humanae substantiae”, a água derramada no vinho simboliza a humanidade, seja enquanto natureza humana, em Cristo, unida a divindade, seja enquanto gênero humano unido a Cristo no seu sacrifício. Por outro lado a forma eucarística do pão e do vinho convertidos no corpo e no sangue, não é senão a “transfiguração” permanente do Senhor, depois daquela de Belém, do Gólgota e do Sepulcro.
Quando se canta o “Gloria in excelsis Deo”, ou se recita no Canôn Romano o “Communicantes” do Natal e da Epifania, somos levados em espírito a Belém até o Prólogo de João, que encerra a Missa no rito tridentino. Isto para não falar da oração eucarística voltada a Oriente, nome de Cristo [sic] que vem a visitar-nos. Eis alguns ‘traços natalícios’ da liturgia romana.
No rito bizantino, a comemoração da Encarnação é constante. A preparação dos dons (“proskomidia”), na qual a Igreja comemora os anos transcorridos por Jesus antes da vida pública, se utilizam instrumentos sagrados que recordam o natal: como a estrela ou “asterisco”, formada por dois semi-círculos de metal precioso, cruzados um com um outro, na parte superior da qual é colocado uma cruz, e na parte inferior, uma estrelinha sobre a patena ou disco do pão – a manjedoura onde foi colocado o Deus menino – a simbolizar o astro que guiou os magos à gruta. A “lança”, uma faca litúrgica incide a “prosforá”, ou seja, um pão oferecido (em latim dizemos “oblata”), para tirar daí a parte central ou “Amnós” (cordeiro) que tem impresso o anagrama grego IC XC NI KA (Jesus Cristo vence): com este ato se representa a maneira com que o Verbo tomou carne a partir da Virgem Maria. Este pão oferecido, nós de rito latino chamamos hóstia (do latim “ostia”), ou seja, vítima, a qual tem muitas vezes as iniciais JHS (“Jesus hominis Salvator”) porque é aquele que se ofereceu como vítima para a salvação do mundo, o Cordeiro dado em sacrifício. O lugar da preparação (“Protesis”) é como a gruta misteriosa na qual o Salvador se dignou nascer quando o céu foi trazido à terra: este se tornou gruta e esta se tornou céu (Cf. N. Cabasilas, “Exposição da Divina Liturgia”, IV; PG 150, 377 D- 380 A). Nela foi “confeccionado” pela primeira vez o pão do sacrifício. Tal preparação é a apertura de uma sinfonia que retorna com variações sobre o tema: na liturgia dos catecúmenos o rito do “pequeno ingresso” com o Evangeliário, está significando a Encarnação com a qual o Verbo fez o seu ingresso no mundo. Omitimos ai as antífonas e os “troparis” próprios do ciclo da Encarnação.
Dir-se-á que tal alegoria é tardia: mas à liturgia ajuda mais o realismo das imagens/ícones, que se apresenta para a veneração através dos atos litúrgicos, ou o simbolismo espiritualista? A liturgia deve fazer ver e tocar sempre de novo o Mistério presente na pessoa histórica e na vida de Jesus Cristo: isto fica evidente no rito bizantino e no rito romano antigo, sinal de comum origem e de ecumenicidade. (Agenzia Fides 20/12/2007; righe 76, parole 1.119)