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Veja um trecho da obra:
"Há círculos com bastante influência que tentam dissuadir-nos de nos ajoelhar. A argumentação é a de esse ato não condizer com a nossa cultura (aliás, com qual?), de não ser adequado para uma pessoa reta e emancipada que encara Deus, ou então de não ser apropriado para uma pessoa que tenha sido salva e que, através de Cristo, se tornou uma pessoa livre, não necessitando, conseqüentemente, de ajoelhar-se.
A origem da genuflexão não se encontra numa cultura qualquer – ela é proveniente da Bíblia e do seu conhecimento de Deus. Na Bíblia, o significado central da posição de joelhos pode observar-se pelo fato de a palavra proskynein surgir 59 vezes só no Novo Testamento, das quais 24 no Apocalipse – o livro da liturgia celeste, que é apresentada à Igreja como padrão da Liturgia.
A posição de joelhos é absurda enquanto mera exterioridade, mero ato físico, mas se alguém tentar reduzir a adoração ao âmbito espiritual, sem a personificar, o ato da adoração apaga-se; porque, na realidade, o espiritual por si só não corresponde à natureza do ser humano. A adoração é um dos atos fundamentais que dizem respeito ao homem inteiro. Conseqüentemente, dobrar os joelhos perante a presença de Deus vivo é irrenunciável.
Para os Hebreus, os joelhos eram símbolo de força; por conseguinte, a genuflexão significa rebaixar a nossa força perante Deus vivo e reconhecer que tudo o que somo e temos promana dele.
A liturgia cristã é liturgia cósmica, precisamente porque se ajoelha perante o Senhor crucificado e elevado. Este é o centro da “cultura” verdadeira – da cultura da verdade. O gesto humilde com que caímos aos pés de Jesus, insere-nos na verdadeira órbita do Universo.
Muito se podia ainda acrescentar. Por exemplo, a comovente narração da história da Igreja de Eusébio de Cesaréia – relatada como uma tradição que reconduz a «Hegesipo» (século lI) e que narra sobre Tiago, o «Irmão do Senhor», que foi o primeiro Bispo de Jerusalém - «chefe» da Igreja judaico-cristã e que, segundo consta, adquiriu uma espécie de pele de camelo nos joelhos, por sempre ter estado de joelhos a adorar Deus e a pedir perdão pelo seu povo (1123, 6). Ou a narração das Sentenças dos Padres do Deserto sobre o Diabo, que foi obrigado por Deus a apresentar-se a um Abade chamado ApoIo - o diabo era preto, repugnante, tinha extremidades terrivelmente magras e, acima de tudo, não tinha joelhos. A incapacidade de se ajoelhar surge aqui como autêntica natureza do diabólico.
Mas não quero entrar em pormenores. Apenas gostaria de acrescentar mais uma observação: a expressão utilizada por Lucas para a posição de joelhos dos cristãos (theis ta gonata) é desconhecida no Grego clássico. Trata-se, portanto, de uma palavra especificamente cristã. O nosso círculo fecha-se com essa observação, chegando ao ponto de partida das nossas deliberações. É possível que a posição de joelhos se tenha tomado estranha à cultura moderna - na medida em que esta última se tenha afastado da Fé, não reconhecendo mais aquele perante o qual o gesto correto e intrínseco é - estar de joelhos. Quem aprende a ter Fé, também aprende a ajoelhar-se; uma Fé ou uma Liturgia que desconhecesse a genuflexão seria afetada num ponto central. Onde ela se perdeu, tem de ser reaprendida, para que a nossa oração permaneça na comunidade dos apóstolos, dos mártires, de todo o cosmos e em união com o próprio Jesus Cristo.
Quem participa da Eucaristia em Fé e em oração, deve sentir uma enorme comoção no momento em que o Senhor desce, transformando o pão e o vinho no seu corpo e no seu sangue. Perante esse acontecimento, não podemos fazer outra coisa senão saudá-lo de joelhos" (Joseph Ratzinger, Introdução ao Espírito da Liturgia).